Certamente por viverem no exílio, os partidos da oposição angolana reagiram com indignação a declarações de um destacado membro do partido no poder desde 1975, o MPLA, de que Angola é um país democrático onde são permitidas manifestações.
Por Orlando Castro
S e o pessoal da oposição vivesse em Angola e tivesse direitos às mesmas mordomias e benesses que só o poder absoluto permite, certamente que estaria de acordo com o que o secretário do Bureau Político do MPLA, Ju “Sipaio” Martins, diz.
Como bom militante do MPLA, Ju “Sipaio” Martins disse numa entrevista à rádio estatal angolana (ou seja, à voz do dono) o que lhe mandam dizer, única forma que eles conhecem para manter privilégios que são negados à maioria doa angolanos. Não admira, por isso, que ele tenha dito que Angola “é sim um país livre e democrático onde todos se podem manifestar”.
E o que ele diz é, aliás, a mais pura das verdades. “Todos se podem manifestar”. Só falta saber quem são esses “todos”. E se concluirmos que esses “todos” são todos os que são do MPLA, então Ju “Sipaio” Martins tem razão.
“A nossa sociedade é democrática, as pessoas podem manifestar-se à vontade desde que cumpram a Constituição e as leis vigentes”, disse Ju “Sipaio” Martins. Segundo ele, a Constituição é clara e inequívoca ao dizer que todos podem manifestar-se… a favor do MPLA.
“Se 100, 200, 500 ou 20.000 pessoas se manifestam contra o poder instituído mas seis milhões ou cinco milhões acham que esse poder deve continuar a exercer funções e a implementar o seu programa claro que as instituições não se devem abalar com isso”, afirmou.
Ora aí está. Se meia dúzia de angolanos dizem que José Eduardo dos Santos está no poder desde 1979 sem nunca ter sido nominalmente eleito, a maioria só tem que – provavelmente de acordo com a Constituição – mandá-los para a cadeia… alimentar dos jacarés.
O que não pode haver, segundo Ju “Sipaio” Martins “é uma predisposição de um cidadão provocar as autoridades instituídas. Aí seguramente que a polícia tem legitimidade em reagir e isto acontece em qualquer democracia mundial”, disse o súbdito do MPLA, seguindo os grandes mestres desta matéria, Sérgio Luther Rescova, João Pinto ou Bento Bento, para quem o corredor de fundo e o fundo do corredor são a mesma coisa.
O líder da bancada parlamentar da UNITA, Raúl Danda, ao ouvir tão emblemática dissertação ficou com a sensação de que Ju “Sipaio” Martins estava a falar de outro país, que não de Angola. E estava mesmo. A Angola dele não é a mesma.
“Nunca vi nenhuma manifestação onde as pessoas levem garrafas, pedras, facas etc., nunca vi, só vejo a polícia armada até aos dentes a carregar contra manifestantes”, disse Raúl Danda que, contudo, já deveria saber que nas democracias avançadas – cujo pódio é ocupado por Angola/MPLA, Coreia do Norte e Guiné Equatorial – é assim mesmo.
Já o deputado da CASA-CE, Leonel Gomes, disse não compreender por que é que o MPLA que diz ter a maioria tem medo de manifestações e da oposição.
“Se eles são cinco milhões de militantes porque que tem medo de efectivar a democracia? Porquê que os debates da Assembleia Nacional não passam em directo?”, questionou. Mais uma gafe deste deputado. Eles são bem mais do que cinco milhões. Se se perguntar a Ju “Sipaio” Martins ele dirá que deverão ser mais de 20 milhões.
Leonel Gomes disse ainda que em Angola dirigentes da polícia “aparecem em congressos do MPLA não receando sequer mostrar o seu alinhamento partidário. Daí entende-se porque a polícia age assim, naturalmente a mando do MPLA já que é o MPLA que sempre que se anuncia uma manifestação sai com discursos musculados a ameaçar as pessoas”.
Nova gafe. A polícia não é do Estado, do país ou da nação. É do MPLA. E se assim é…